terça-feira, 2 de novembro de 2010

Eles são vegetarianos, panteístas e felizes

“Estava à toa na vida, o meu amor me chamou, pra ver a banda passar cantando coisas de amor”
(A banda - Chico Buarque)

Ela carregava processos. Literalmente. Trajava terno e gravata e no seu andar havia uma tranquilidade que não combinaria com nenhum Fórum. Ela não estava em nenhum Fórum. As mesas e cadeiras voltaram a ser árvores, e o teto um sol estampado, às 14h50, de uma tarde de sexta-feira. Era advogada e nos intervalos que tinha do trabalho, atravessa a maior avenida do país para encontrar um pouco de paz no Parque Trianon. Ela nunca estava só ali. Ela estava à toa na vida.
Guitarrista desde os quatro anos, ela buscava naquele canto um pouco de inspiração: “Ao contrário do que dizem, os roqueiros também tem seu lado calmo, de paz”. Ia praticamente todos os dias praticar exercícios. Tinha uma banda.
Ela carregava livros, cadernos e às vezes jornais. Tinha 1 metro e 84 centímetros, ditos vagarosamente para dar maior destaque. Proust, Machado e Balzac faziam parte dos seus dias naquele lugar que conhecia bem. A primeira vez que foi ali conheceu duas pessoas que fariam parte da sua história dali para frente. Era professor e sempre esperava coisas de amor.
Gabriela Azevedo, Gustavo Miller e Agnaldo Oliveira adoram Chico, mas o que os une não é só a admiração pelo cantor e sim o gosto pela natureza, pelo vegetarianismo e pelo panteísmo.
Conheceram-se ao acaso numa tarde de um outono qualquer de 1994. Dali para frente seriam cúmplices, amigos ou porque não dizer uma tribo. Gabriela que trabalha em um escritório na Avenida Paulista, encontra Gustavo e Agnaldo sempre que pode, “Marcamos pelo MSN e nos vemos. Às vezes rapidamente, às vezes filosofamos a tarde inteira”. Na verdade quem entende mais de filosofia é Agnaldo que leciona língua Portuguesa em uma escola pública, mas é apaixonado por filosofia, “A Gabi e o Miller são os primeiros a conhecerem minhas novas empreitadas filosóficas.” Já a parte mais musicalmente intensa desse trio, Gustavo Miller, considera as afinidades que eles têm como uma base sólida de autoconhecimento, “Descobrimos coisas juntos que hoje me dá certa tranquilidade de saber quem eu sou.”


Um parque em comum
O Parque Ibirapuera é um dos maiores cartões postais de São Paulo e em sua de extensão deve ter ocorridos muitos encontros. Foi justamente nele que Gabriela, Gustavo e Agnaldo se encontraram. Hoje praticam Cooper e andam de bicicleta aos finais de semana. Debaixo daquelas árvores discutem religião, política e futebol. Nunca brigaram até porque no que se refere à religião compartilham da mesma: o panteísmo. Essa forma de pensamento acredita que figura de Deus está em tudo, é parte integrante do que somos e vemos. Nada é tão admirado pelos panteístas do que a natureza que é, visivelmente, um exemplo magnífico da grandiosidade e generosidade do criador. Deus não seria segundo essa visão uma divindade única e sim fragmentada em tudo isso que o Universo nos apresenta. O templo de um panteísta é qualquer lugar que ele se sinta bem.
“Creio que termos essa mesma visão nos ajudou a longo do tempo. Não houve por nossa parte um desgaste tentando um explicar as crenças que tínhamos para os outros. O que houve foi um complemento. Para quem quer conhecer esse tipo de visão é preciso, primeiramente, se libertar de alguns dogmas.”, diz Gabriela.

Um prato em comum
Agnaldo nem se lembra de quando provou carne pela última vez, “Deve ter mais de vinte anos e não sinto falta”. A alimentação é outra característica que os une. Adeptos do vegetarianismo acreditam que assim estarão mais saudáveis, unindo é claro práticas de esportes e boas horas de sono. “Não adianta você fazer algo bom se exageram em outras ou tem hábitos mais nocivos. Eu já toco guitarra, machuco meus ouvidos, então, cuido das outras partes.” brinca Gustavo.

Um cantor em comum
Chico Buarque de Holanda e suas dezenas de canções estão sempre presentes nas conversas desses três amigos. O que difere e a musica que cada um acha a melhor. A Banda é tida como a música tema dessa amizade. “Gostamos dela porque fala de tempo e nossa amizade tem esse componente. Eles preferem a fase do Chico mais antiga quando ele falava do “Cale-se” da ditadura". O DVD Carioca, lançado em 2007, também é muito bem visto por eles. Gabriela ama “Folhetim”, e queria ser como a protagonista da música, mas Agnaldo e Gustavo falam que ela é muito sentimental para tratar os homens como a mulher da música faz.

Uma felicidade incomum
Embora se reconheçam quanto à crença, a alimentação, o cantor, nossos entrevistados não são iguais e é também a diferença que os mantêm unidos. Agnaldo encanta com suas criações literárias, sejam elas poesias ou romances. Já tentou fazer uma dupla com Gustavo para fazerem algumas músicas juntos, porém como ele mesmo diz: “Temos tendências artísticas diferentes. Uma é mais contemplativa, a outra mais explosiva.” Gabriela arrisca umas pincelas, “... tudo na clandestinidade.”, embora tenha feito curso de teatro na adolescência e ter um considerável dragão nas suas costas, hoje se considera mais uma espectadora no que se refere a manifestações artísticas.
Naquele dia no Trianon soube da vida dos três. Estavam ali depois de eu tentar entrevistar diversas pessoas. Enquanto descansavam eles apareciam. Pareciam adolescentes que cabularam a aula do colégio para ficar, como disse Chico na canção, “À toa na vida” e aprendi com essa tribo inclassificável que o que une as pessoas, muitas vezes, não é uma única afinidade e sim uma diversidade de pensamentos que se harmonizam e se complementam. Foi bom o papo, ora interrompido pelo celular de Gabriela e seus tantos casos processuais inacabados, ora interrompidos por Agnaldo com suas filosofias Balzaquianas. Gustavo é o mais calmo de todos e por tal motivo o que mais me identifiquei. Eles sabem por que se identificaram uns com os outros, contudo, não se perderam depois que banda passou.
A pedido deles, essa matéria é dedicada a Chico Buarque de Holanda:

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